Quando eu disse para amigos que iria em missão humanitária a Guiné Bissau, o décimo país mais pobre do mundo, pagando por todas as despesas, fui taxada (que novidade) de louca por algumas pessoas .
Minhas impressões sobre a viagem: foram 17 dias de esperas em aeroportos, voos desconfortáveis, viagens de carro por estradas horrorosas, policiais nos parando o tempo todo tentando conseguir “propina”, calor, mosquitos, risco de exposição a doenças, alojamentos inacreditavelmente ruins, acúmulo de lixo nas ruas, muita pobreza. E foram também 17 dias de risadas, vontade de ajudar, pioneirismo, dificuldades superadas, boas amizades iniciadas, lugares lindos desvendados, animais fofos e um povo cativante. Crianças que paravam o que estavam fazendo para nos saudar quando passávamos, curiosas pois não estavam acostumadas a ver “portodjos” ou brancos. Adultos que ficavam extremamente agradecidos com o pouco que pudemos fazer.
Foram 450 atendimentos clínicos e 14 cirurgias. Conseguimos diagnosticar pacientes portadores de HIV, muitos já doentes de AIDS. Com isso ensinamos à equipe residente como fazer mais diagnósticos, uma vez que nosso trabalho é pontual e o deles, permanente.Encaminhamos estes pacientes e suas famílias para a confirmação dos testes e para tratamento adequado, evitando a propagação desenfreada da doença.
Diagnosticamos e tratamos uma criança em coma malárico, que saiu brincando e sorrindo no dia seguinte.
Retiramos 14 tumores benignos mas deformantes de pessoas que não teriam acesso à cirurgia de outra forma.
Fizemos tudo gratuitamente, embora a saúde pública em Guiné Bissau seja paga.
Demos aulas em uma faculdade de estudantes de medicina e enfermagem, pois estes serão os profissionais que atuarão em Guiné Bissau no futuro.
Conseguimos que um bebê nascido com uma grave deformidade fosse encaminhado para cirugia ainda nesta semana na capital.
Conhecemos pessoas que nos ajudaram desde o primeiro momento e, definitivamente, gentileza gerou gentileza.
Adorei a experiência com todas suas agruras (e quem sabe se não também por causa delas?).
A palavra que define esta missão para mim é serendipidade.
Através dela consegui me distanciar um pouco do cinismo que tem infelizmente permeado nossas relações e me reaproximei da pessoa que eu era quando escolhi a medicina como o meu caminho. Eram pessoas como estas que eu queria ajudar. Considero o que fizemos em Iemberem o estado da arte, justamente pela simplicidade, por mais estranho que possa parecer.
E certamente o que previ antes da viagem se confirmou: eu recebi muito mais do que doei.