Fui convidada pela enfermeira Amanda Monteiro para participar de um trabalho no Xingu. É um programa da Unifesp que previne câncer de colo de útero nas indígenas deste parque. Começo a longa viagem. Voo de Campinas até Goiânia, ônibus de Goiânia até Canarana e carro até o primeiro polo, o Wawi. Lá troco de posto com a médica Vanessa, que já está atuando há alguns dias. Encontro com Mariana (enfermeira do Projeto Xingu), conheço a Vivian (enfermeira residente em Canarana) e Karina (interna da Unifesp). Pegamos uma voadeira e vamos até o polo Diauarum (significa Onça Negra).
Como chegamos tarde no polo Wawi fazemos parte do trajeto até o Diauarum de noite.
Chove e o rio é iluminado apenas pelos raios e relâmpagos. Trovões também nos acompanham, além de uma profusão de vagalumes, coisa que não via há muitos anos.
Navegar no escuro com esta iluminação pouco usual me traz uma sensação de paz além da certeza de que sou uma privilegiada.
Chegamos e descarregamos os materiais e nossas mochilas.
Comemos e deitamos para dormir.
Quando já estava adormecida sou chamada pela enfermeira Mari pois um senhor de 81 anos não está se sentindo bem. Ele é cardiopata e fez um cateterismo recentemente em Brasília. Como sou a única médica no local eu vou vê-lo, bastante insegura pois não lido com cardiopatias há muitos anos.
O indígena é o Sr Tuim. Refere dor em região epigástrica e fraqueza.
Encontra-se hipotenso (pressão 80/60 mmhg), taquipneico (29 movimentos respiratórios por minuto) e com o pulso filiforme, ou seja, fraco.
Prescrevo um omeprazol, para ver se a dor é estomacal. Aqui não temos eletrocardiograma, exames laboratoriais ou de imagem. Prescrevo também soro fisiológico, apenas 500 ml pois ele encontra-se desidratado (olhos fundos, encovados, pele seca). Não parece ser uma cardiopatia congestiva descompensada, pois não tem sinais como estase jugular, distensão de cápsula hepática ou edema de membros inferiores. Mesmo assim peço para que o soro “corra” bem lentamente.
Mari e Carrijo (enfermeiro que já estava no polo) vão avaliá-lo mais tarde e ele está bem. Refere que a dor passou e que vai conseguir dormir. No dia seguinte um avião virá buscá-lo para que seja transferido ao hospital.
De madrugada vejo algo que parece um pássaro voando dentro da nossa oca. Mas então o “pássaro” se pendura de cabeça para baixo e percebo que é um morcego. Primeiro dia de trabalho! Chove a cântaros e as pacientes não chegam pois o único jeito seria de barco. Atendemos uma senhora com prolapso genital (bexiga caída) e esperamos, frustradas.
Na hora do almoço a chuva cessa e as mulheres chegam, finalmente. Ao todo atendemos dez pacientes.
Nenhuma indígena atendida pelo programa desenvolveu câncer de colo uterino. Todas foram tratadas a tempo!
Hoje conheci o Deco, um filhote de caititu que foi adotado após a mãe dele ter sido caçada pelos indígenas. Uma simpatia. Mas parece que vai pra panela quando crescer, apesar de ser criado como pet…
Também brincamos com um filhote de gaivota, que um dos indiozinhos cria. Ele está esfomeado pois não tem peixe, que é do que ele se alimenta. Tento dar cenoura e carne moída para ele, sem sucesso.
Segundo dia de trabalho: atendemos apenas uma indígena de manhã e aguardamos outras para o período da tarde.
À tarde atendemos mais sete, concluindo nosso trabalho neste polo.
Adorei ter participado de mais esta missão!